
Mediante essa situação, a Igreja Católica se colocava em um delicado dilema ao representar a religião oficial do espaço colonial. Em algumas situações, os clérigos tentavam reprimir as manifestações religiosas dos escravos e lhes impor o paradigma cristão. Em outras situações, preferiam fazer vista grossa aos cantos, batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas. Diversas vezes, os negros organizavam propositalmente suas manifestações em dias-santos ou durante outras festividades católicas.
Do ponto de vista dos representantes da elite colonial, a liberação das crenças religiosas africanas era interpretada positivamente. Ao manterem suas tradições religiosas, muitas nações africanas alimentavam as antigas rivalidades contra outros grupos de negros atingidos pela escravidão. Com a preservação desta hostilidade, a organização de fugas e levantes nas fazendas poderia diminuir sensivelmente.
Aparentemente, a participação dos negros nas manifestações de origem católica poderia representar a conversão religiosa dessas populações e a perda de sua identidade. Contudo, muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos, não abandonaram a fé nos orixás, voduns e inquices oriundos de sua terra natal. Ao longo do tempo, a coexistência das crendices abriu campo para que novas experiências religiosas – dotadas de elementos africanos, cristãos e indígenas – fossem estruturadas no Brasil.
É a partir dessa situação que podemos compreender porque vários santos católicos equivalem a determinadas divindades de origem africana. Além disso, podemos compreender como vários dos deuses africanos percorrem religiões distintas. Na atualidade, não é muito difícil conhecer alguém que professe uma determinada religião, mas que se simpatize ou também frequente outras.
Dessa forma, observamos que o desenvolvimento da cultura religiosa brasileira foi evidentemente marcado por uma série de negociações, trocas e incorporações. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que podemos ver a presença de equivalências e proximidades entre os cultos africanos e as outras religiões estabelecidas no Brasil, também temos uma série de particularidades que definem várias diferenças. Por fim, o sincretismo religioso acabou articulando uma experiência cultural própria.
Não cabe dizer que o contato entre elas acabou designando um processo de aviltamento de religiões que aqui apareceram. Tanto do ponto de vista religioso, quanto em outros aspectos da nossa vida cotidiana, é possível observar que o diálogo entre os saberes abre espaço para diversas inovações. Por esta razão, é impossível acreditar que qualquer religião teria sido injustamente aviltada ou corrompida.
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